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1.10.15

Preocupações Relativas ao Ensino Artístico em Portugal - Documento enviado a 10 de Setembro


Transcrevemos um documento enviado por e-mail no dia 10 de Setembro aos seguintes partidos: PSD, CDS, PS, PCP, PEV, BE e Livre. 


Exmos. Senhores:

A Associação de Professores de Teatro-Educação foi criada em 2006 e é constituída por professores licenciados na área do Teatro e da Expressão Dramática, alguns deles profissionalizados.
Junto enviamos um resumo das nossas principais preocupações, solicitando que os partidos nos informem sobre o que pensam sobre estas matérias.

1. Entendemos que deve ser dada uma maior importância à Educação Artística nos currículos de todos os alunos, distinguindo naturalmente a Educação Artística Generalista da Educação Artística Especializada.
Neste âmbito – e sem qualquer menosprezo pelas outras artes – o Teatro desempenha um papel importante, uma vez que trabalha diferentes expressões - corporal, vocal, musical, escrita, plástica – e ajuda os alunos a desenvolver competências nos domínios cognitivo, emocional, afectivo, social e psicomotor.
Entre as competências desenvolvidas destacamos: «a confiança em si e nos outros, a compreensão dos outros, a capacidade de trabalhar em equipa, a capacidade de argumentar, a responsabilização perante terceiros, a expressividade, a concentração, a memória, a dicção, a leitura, a respiração, o estar em público, o falar em público, a criatividade (tão reclamada hoje em dia), a capacidade de abstracção (fundamental, por exemplo, para a Filosofia e para a Matemática), a leitura e compreensão de textos (e não só de textos dramáticos), a escrita, o sentido estético, o conhecimento do património dramatúrgico, cultural e etnográfico.

2. O Decreto-Lei n.º 139/2012 assenta numa obsoleta filosofia de hierarquização das disciplinas e diminui substancialmente a presença da Educação Artística, nomeadamente do Teatro, nos currículos.
No currículo anterior os alunos do 7º e do 8º anos tinham apenas duas disciplinas de Educação Artística: Educação Visual e outra, a definir por cada escola (música, dança, teatro, etc.). No 9º ano, podiam ter apenas uma disciplina de Educação Artística (Educação Visual ou disciplina de oferta de escola) ou Educação Tecnológica. Foi neste âmbito que, durante alguns anos, existiu a disciplina de Oficina de Teatro. Acrescente-se que nos 7º e 8º anos a disciplina era semestral e no 9º ano era frequentada apenas pelos alunos que a escolhessem.
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 139/2012, a disciplina de oferta de escola passou a poder ser de natureza artística ou tecnológica e deixou de existir no 9º ano.
No ensino secundário a disciplina de Oficina de Expressão Dramática já tinha sido extinta numa reforma anterior; no Ensino Profissional continuam a existir algumas disciplinas ligadas à Expressão Dramática e ao Teatro, embora a sua presença seja residual. Também em matéria do Ensino Artístico Especializado se verifica uma lacuna na área do teatro.

3. Na sequência dos erros cometidos na colocação de professores através da Bolsa de Contratação de Escola no ano lectivo 2014-2015, várias pessoas defenderam a substituição do concurso nacional por um concurso “local e descentralizado”, omitindo, contudo, que já existem concursos por oferta de escola há imensos anos e que o processo é lento, burocrático e pouco transparente.
Devido à inexistência de um grupo de recrutamento na área do Teatro (ainda que haja professores especializados) os professores desta área são obrigados a concorrer anualmente a ofertas de escola. Estes concursos abrem quase sempre depois do dia 1 de Setembro e as contratações raramente se iniciam antes do início das aulas. Até 2005 era “normal” haver professores das áreas das “técnicas especiais” a apresentarem-se nas escolas na segunda quinzena de Outubro. Só neste ano lectivo estes concursos abriram mais cedo, mas há ainda muitos horários por ocupar, mantendo-se a incerteza de que as escolas venham a iniciar o ano lectivo com todos os professores.
Até ao mandato de Maria de Lurdes Rodrigues este tipo de concurso afectava uma pequena percentagem de professores. Com Maria de Lurdes Rodrigues estes concursos estenderam-se às escolas TEIP, tendo aumentado significativamente o número de professores que a eles se candidataram. Pela mesma altura a novilíngua “transformou” os professores sem grupo de recrutamento em “técnicos especializados” e a lei encarregou-se de lhe limitar os horários (D.L. 35/2007, artigo 11º, ponto 1).
Com Nuno Crato foi revista a legislação que regulamenta os concursos de professores. Como aspetos positivos saúda-se o regresso da possibilidade de concorrer a horários completos e a obrigatoriedade da publicação da lista de graduação dos candidatos. Como aspetos negativos aumentou-se a possibilidade de os diretores definirem critérios pouco éticos (em nome de uma suposta autonomia) e aprofundou-se o fosso entre os professores com grupo de recrutamento e os chamados “técnicos especializados”, sendo os últimos obrigados a elaborar portefólios não regulamentados e a sujeitarem-se a entrevistas que, não raras vezes, só demonstram a impreparação ou a desonestidade de quem faz o recrutamento.
É preciso, como é óbvio, combater a corrupção nos concursos de professores. Para isso, é necessário substituir as ofertas de escola por um concurso nacional para todos os docentes (com ou sem grupo de recrutamento). E se este objetivo parece difícil de alcançar, regulamente-se as ofertas de escola e obrigue-se os diretores a obedecer a critérios objetivos: profissionalização, classificação académica, tempo de serviço. É preciso, também, preparar-se atempadamente o início dos anos letivos, de modo a que todos os docentes saibam, até ao final de Julho, em que escola deverão apresentar-se no dia 1 de Setembro.

4. Como referimos anteriormente, a novilíngua chama “técnicos especializados” a um número considerável de professores. Infelizmente os partidos e os sindicatos repetem acriticamente esta terminologia de mau gosto. Mas o trabalho dos professores a quem alguns chamam técnicos não difere em nada do trabalho dos que são tratados por professores. Senão, vejamos: damos aulas, elaboramos planificações, corrigimos trabalhos, apoiamos alunos, avaliamos, participamos em reuniões de professores,
redigimos atas e outros documentos, propomos critérios de avaliação, redigimos propostas, reflectimos sobre o nosso trabalho, frequentamos acções de formação para professores, somos avaliados da mesma forma que os outros professores contratados, alguns de nós até descontamos uma percentagem do salário para sindicatos de professores. Como podemos, então, não ser professores? Como podemos aceitar que nos tratem por “técnicos especializados”? Afinal de contas, o que quer dizer “técnico especializado”?
Quer dizer, por exemplo, que o nosso trabalho não é contabilizado como tempo de serviço docente. Quer dizer que, no que respeita à remuneração, o índice 151 constitui o tecto máximo a que podemos almejar, apesar de haver colegas não profissionalizados e com menos experiência a transitar para o índice 167. Quer dizer que não pudemos candidatar-nos a nenhum dos recentes concursos de vinculação de contratados, nem sequer ao concurso de vinculação de professores do ensino artístico especializado, por sermos professores de teatro e leccionarmos no ensino artístico generalista.
Concordamos naturalmente com a vinculação dos contratados que tiveram essa sorte e com o aumento para o índice 167. Mas não podemos aceitar que este caminho seja vedado aos chamados “técnicos especializados”.

5. Pressionado pela Comissão Europeia, o MEC criou concursos de vinculação extraordinária de professores e alterou alguma legislação, argumentando pretender combater o recurso abusivo a contratos a prazo. Contudo, o MEC excluiu da vinculação uma grande parte dos professores, entre os quais os chamados “técnicos especializados”. Apelamos aos partidos – da oposição ou não – e aos sindicatos que lutem pelo efectivo cumprimento da directiva 1999/70/CE, através da vinculação de todos os docentes com mais de três anos de serviço, incluindo os que atualmente não têm grupo de recrutamento – e pela igualdade salarial. Não é aceitável que professores contratados ganhem menos que colegas com o mesmo tempo de serviço (ou menos), mas com um vínculo contratual diferente.

6. Discordamos da forma como os sucessivos governos têm tratado tanto a Educação Artística como os seus docentes. Entendemos que devem ser seguidas as recomendações dos especialistas que se pronunciaram na Conferência Internacional de Educação Artística que a UNESCO realizou em Lisboa no ano 2006, das quais destacamos a seguinte: «dar à Educação Artística um lugar central e permanente no currículo educativo, devidamente financiado e com professores competentes e de qualidade».

7. De forma a reforçar e consolidar a presença do Teatro e da Expressão Dramática no Sistema de Ensino, propomos as seguinte medidas:
«- O estudo da possibilidade de integração de uma disciplina ligada ao Teatro no 2º Ciclo do Ensino Básico eliminando o inexplicável hiato entre o 1º e o 3º ciclos;
- O reforço da presença da disciplina de Teatro durante os 3 anos do 3º Ciclo, acessível a todos os alunos;
- A criação de um Curso Geral de Artes do Espectáculo, no Ensino Secundário, para os alunos que pretendam prosseguir estudos superiores nesta área;
- A recuperação da disciplina de Oficina de Expressão Dramática como opção para os alunos do Ensino Secundário que estudem noutras áreas, mas que pretendam desenvolver algumas das capacidades acima citadas;
- O aumento da oferta de cursos profissionais de Teatro;

8. De forma a dignificar o exercício docente nestas áreas, entendemos que é necessário:
- Substituir as atuais ofertas de escola por concursos nacionais ou por uma regulamentação que vise a abertura destes concursos em Julho e com critérios objetivos: profissionalização, tempo de serviço, classificação académica.
- Acabar com a divisão entre professores e “técnicos especializados”, para que os últimos possam ter o tempo de serviço reconhecido e contabilizado.
- Criar uma possibilidade real de vinculação de docentes excluídos dos concursos recentes, incluindo os que não têm atualmente grupo de recrutamento, e proceder à respetiva atualização salarial;
- Criação um grupo de docência na área do Teatro ou integrar estes docentes num grupo de recrutamento já existente.

9. Uma vez que falta pouco tempo para as eleições, gostaríamos de saber, em relação a estas matérias:
- Qual é a posição do vosso partido;
- Que medidas adotará o vosso partido na Assembleia da República;
- Que medidas adotará o vosso partido caso venha a ser governo.

Estamos naturalmente disponíveis para discutir estes e outros pontos numa futura audiência.

Com os melhores cumprimentos,
A Direcção da APROTED – Associação de Professores de Teatro-Educação

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