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20.5.09

Relançamento de "Memórias de uma Vida para Esquecer" de Firmino Bernardo



No próximo sábado, dia 23 de Maio, o nosso associado Firmino Bernardo vai relançar o livro «Memórias de Uma Vida para Esquecer», uma peça de teatro. A apresentação será feita por Fernanda Frazão, editora da Apenas Livros, e pelo Firmino.O evento inicia-se às 16 horas e 30 minutos no Ginásio de Educação da Vinci, Rua Dr. Bernardo Teixeira Botelho, nº 15, em Palmela (muito perto do terminal rodoviário; em caso de dúvida, ligue 210 873 347, 932 977 813 ou consulte o google maps).
«Anda por aqui há algum espírito ladino dos Monty Python, com os seus jogos de linguagem e pensamento, mas também os velhos novelos de equívocos e quiproquos na melhor tradição da Commedia dell Arte,
organizados em torno de uma caracterização marcada das personagens.» (Mário de Carvalho, no prefácio)
Mais informações em

13.5.09

Morreu o Leão da Arena: Augusto Boal
















por
Luis Aguilar








Morreu, aos 78 anos, o dramaturgo, encenador, ensaísta, teórico de teatro, político, Augusto Boal, conhecido internacionalmente pela criação do Teatro do Oprimido e pelo trabalho que realizou nos anos 60, no Teatro de Arena de São Paulo. Morreu aquele para quem o teatro não era apenas um espectáculo, mas uma forma de vida, onde mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas em forma teatral, porque tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos teatro! . Augusto Boal foi nomeado Embaixador Mundial do Teatro pela Unesco e integrou a lista de candidatos ao Prémio Nobel da Paz em 2008. O discurso do último Dia Mundial do Teatro é da sua autoria: Assistam ao espetáculo que vai começar; depois, em suas casas com seus amigos, façam suas peças vocês mesmos e vejam o que jamais puderam ver: aquilo que salta aos olhos. Este texto é, simultaneamente, um testemunho, uma singela homenagem e um grato reconhecimento a Augusto Boal, de quem muitos ensinamentos recebemos, com quem muitos sonhos e projectos partilhámos, com quem muitos fóruns de discussão realizamos. Nele se registam memórias de uma pessoa viva, com ganas de dizer algo através do teatro, nos domínios da intervenção política e social da terapia, da educação e até do teatro. Mas, à parte tudo isso, Augusto Boal, malgré lui, foi uma personalidade que contagiava o seu entusiasmo a sua força de viver, o seu charme, a sua alegria, a sua tolerância, a quem estivesse perto de si. Uma simples conversa com ele transformava-se num acontecimento teatral. Aquilo que chamamos peça de teatro ou espectáculo teatral, Boal reenviava para a vida de todos nós. Quando analisava um espectáculo dramático, falava mais da forma como o público interveio ou como reagiu e o que experienciava o actor ao representar a peça. Conhecemo-lo nos idos de 75, onde com Amílcar Martins, pertencíamos à Direcção da Escola Superior de Teatro do Conservatório Nacional de Lisboa, e eu por inerência à Comissão de Gestão da Casa de Garrett. Víamos, nessa altura, Teresa Mota atarantada de um lado para o outro, perguntando-nos porque não se contratava o Augusto Boal, o homem do Teatro Arena de São Paulo, o homem que podia revolucionar a Escola de Teatro, numa altura em que outros revolucionários descentralizaram a revolução para Évora e desejaram o fim da Escola de Teatro. Ele tem de ficar em Lisboa, dizia-nos Teresa Mota. É que David Mourão Ferreira, Secretário de Estado da Cultura e a sua equipa não tinham honrado o compromisso de contratar Augusto Boal e a equipa que trouxera consigo. Contagiados pelos ares escandalizados de Teresa Mota e Richard Demarcy que invocavam ser um gesto revolucionário, contratar Augusto Boal, começamos a seguir a direcção do realismo e a exigir o impossível. Encarregou-se Amilcar Martins de falar com Augusto Boal, enquanto eu iria invadir a secretaria do Conservatório Nacional (invadir é o termo, já que nessa altura era a mesma “assaltada”por mais de 30 pessoas que integravam as diversas Comissões Directivas das cinco escolas) para sondar as possibilidades de contratar o Augusto Boal. Nenhuma! Respondia-nos o lendário senhor Antunes, chefe de uma secretaria em verdadeira revolução em curso. Horas depois, lá obtivemos a possibilidade de contratar Augusto Boal por 12 contos mensais, salário igual para todos os trabalhadores da casa.Chegava-nos, entretanto, a boa nova de que Augusto Boal, gratíssimo pelo interesse, aceitaria. Mas 12 contos era o que pagava pela renda da casa que alugara na 5 de Outubro e tinha a cargo mais três pessoas de teatro, necessárias à consecução do projecto que definira com David Mourão Ferreira que lhe virou as costas, por razões que ainda hoje nos custam a entender. Numa operação de assalto cultural à mão armada impusemos (ainda não sabemos como) a contratação de Augusto Boal e mais três, a Cecília, sua companheira, a Márcia e um outro de que já não nos lembramos o nome. Esse gesto mereceu, como se compreende, críticas contundentes por parte dos Velhos do Restelo da Casa de Garret. Mas o tempo brindava os ousados e a revolução fazia milagres.
Com Augusto Boal procedemos à reformulação de todos os Planos de Estudo da Escola Superior de Teatro, não porque fossem maus, mas porque os novos ventos da revolução, impunham outros. E a renovação fez-se, a revolução seguiu o seu processo em curso e a Escola Superior de Teatro ia funcionando, quando muitas outras de universidades mais clássicas paralisavam. Criava-se então o Curso de Formação de Actores-Animadores com grande estrondo e rodeado de escândalo, mesmo em tempos de revolução. A inovação é isso aí, cria sempre oposição - sossegava-nos, serenamente, Augusto Boal.
Embora a
excelente resenha de Isabel Coutinho no jornal público não refira, foi grande o contributo de Augusto Boal, para a renovação do teatro português e, sobretudo, para a formação pessoal e profissional de muitos actores e encenadores portugueses: colaborou na reforma Escola Superior de Teatro do Conservatório Nacional de Lisboa, colaborou com várias companhias de teatro, como por exemplo, a Barraca, orientou muitas acções de formação, não só no domínio teatral, mas no da animação, da sociologia e da terapia. Quando Chico Buarque lhe escreve a carta musical, o Meu Caro Amigo, Boal estava em Portugal. No Brasil a coisa estava preta e era preciso muita mutreta para levar a situação. Tivemos o privilégio de atender o telefone do Chico Buarque que queria anunciar a saída do disco ao Boal: - Está aqui um tipo a dizer que é o Chico Buarque, o quê que eu faço? diziamos. Se ele diz que é o Chico é porque é mesmo, dizia Boal, afastando uma tonelada de papéis.
Agora desaparecido, Boal não é lembrado como merecia pelos portugueses. Deixo aqui os meus agradecimentos ao contributo que Boal teve na minha formação e rendo-lhe a minha homenagem pelo muito que fez e criou. Das técnicas de teatro fórum, ao teatro do invisível muito do que propos nos vários livros que publicou, do teatro à terapia, é aplicado em vários domínios da actividade humana. Augusto Boal,
um brasileiro extraordinário, que me marcou profundamente pelo amor que tinha ao teatro e à humanidade- diz Isabel Santos em entrevista ao jornal LusoPresse. Por seu turno, Amilcar Martins para quem Boal é o exemplo de cidadão humanista e democrata considera tê-lo o mestre influenciado de forma tão fecunda nas práticas teatrais e de expressão dramática. Experimento, também, e mais uma vez, um sentimento de orgulho por, em 1975/1976, ter sido eu o porta-voz da Comissão Directiva no convite a Boal para ser professor de Práticas Teatrais e Interpretação na Escola Superior de Teatro do Conservatório Nacional de Lisboa refere ainda Amilcar Martins, hoje professor de Expressão Dramática e Teatro da Universidade Aberta.
Ainda o ano passado, em Portugal, o grupo teatral A Barraca levou à cena
A Herança Maldita de Augusto Boal, com adaptação do texto e encenação de Helder Costa.
Aqui, no Quebeque, de onde escrevo, a
Liga Nacional de Impro, aplica muitas (eu diria todas) das técnicas de Boal, do teatro fórum ao teatro do invisível, passando pelo Ritual ao Contrário e à Denúncia do Cabotinismo. Lembro-me de me ter surpreendido com o grande conhecimento que os quebequenses tinham de Boal. Quando referi que havia trabalhado com ele, foi como se dissesse que tinha tido contactos com Deus.
Discutimos com Boal a paternidade do Teatro de Jornal, que ele reivindicava como sua no quadro do Teatro do Oprimido. Mostramos-lhe a evidência: o Teatro de Jornal havia sido criado por
Jacob-Levy Moreno, que o praticava em Viena, muito antes de Boal ter nascido. Ele usava essa técnica para fins exclusivamente terapêuticos – respondia Boal. Não, não é verdade – contra-argumentávamos - antes de Moreno enveredar pela terapia, pelo Psicodrama, a sua prática era de ordem estética ainda que com objectivos sociais, como de resto Brecht ou mesmo Boal. E este diálogo à boa moda do Teatro Fórum didáctico, continuava. Não sei se fruto deste debate o certo é que Boal pouco ou nada voltou a falar do Teatro de Jornal. Quanto a nós as suas principais criações e inovações foram, sem dúvida, o Teatro Fórum e o Teatro do Invisível, técnicas que hoje são mais utilizadas nos espaços políticos, sociais e terapêuticos do que nos artísticos como pretendia, inicialmente, o seu criador. Aliás, Augusto Boal acabou por praticar, depois de eleito vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PT (Partido dos Trabalhadores), Teatro-Fórum, onde, a partir da intervenção dos espectadores, criava projetos de lei: é o Teatro Legislativo. Após transformar o espectador em actor com o Teatro do Oprimido, Boal transforma o eleitor em legislador. Utilizando o Teatro como Política, em Sessões Solenes Simbólicas, encaminha à Câmara de Vereadores 33 projetos de lei, dos quais 14 tornam-se leis municipais, entre 1993 a 1996.Muitas das suas técnicas de intervenção política são hoje macaqueadas nos chamados "apanhados" das televisões. Com efeito, a técnica do teatro do invisível que se caracteriza por colocar em cena pessoas que não têm consciência de estarem a fazer um qualquer papel num guião pré-estabelecido por um grupo de actores ou não actores, foi "agarrada" pelo actor, também desaparecido recentemente, Dom DeLuise apresentador do programa de vídeos caseiros "The New Candid Camera", que chegou a ser exibido em Portugal e inspirou muitos programas de apanhados, relegados para o telelixo, muitos deles. Uma honrosa excepção: o programa de Joaquim Letria que procurava elucidar sobre os automatismos sociais em determinadas situações. O conjunto das técnicas que Augusto Boal criou integram o seu Teatro do Oprimido, que ele define deste modo: O Teatro do Oprimido é o teatro no sentido mais arcaico do termo. Todos os seres humanos são atores - porque atuam - e espectadores - porque observam. Somos todos 'espect-atores. http://luisaguilar.ca/index.htm